- janeiro 10, 2022
- Postado por: Rafael Kosoniscs
- Category: Inclusão
Área que trabalha inserção no mercado de negros, mulheres, LGBT+ e pessoas com deficiência ganhou mais importância nas companhias desde 2020; conheça boas práticas e por onde começar
Marina Dayrell, O Estado de S.Paulo
Há alguns anos, e principalmente depois da morte do norte-americano George Floyd por policiais nos Estados Unidos em 2020, a área de diversidade e inclusão (D&I) tem ocupado os discursos e – quando bem praticada – a realidade de muitas empresas brasileiras. O movimento, que também foi motivado pela atuação das multinacionais no País, criou dentro das organizações núcleos responsáveis por atrair e reter profissionais que fazem parte de grupos minorizados e, também pela criação e manutenção de uma cultura inclusiva.
Segundo o LinkedIn, em relatório de 2021, 88% das companhias brasileiras preferem fazer negócios com empresas que tenham a diversidade como um pilar essencial. Com os dados a favor do setor, aumentou a pressão em cima das empresas que ainda não têm políticas de D&I definidas. Ela veio de várias frentes, como, por exemplo, da Nasdaq, que passou a obrigar as empresas listadas na Bolsa a adotar e divulgar ações de ampliação de diversidade em seus conselhos de administração. Já as organizações que têm mais maturidade no processo passaram a exigir o comprometimento também por parte da cadeia de fornecedores, como foi o caso da Gerdau.
A preocupação com o tema e a criação de equipes dedicadas a ele ficam evidentes nos dados de vagas de 2021. De acordo com a Gupy, startup de tecnologia voltada para processos de recrutamento e seleção, saltou de 2 para 200 o número de posições ofertadas para a área de D&I entre janeiro e maio de 2021, comparado com o mesmo período de 2020. Segundo a startup, o crescimento no volume de vagas na área ocorreu a partir de maio de 2020 – mês da morte de George Floyd. Ao longo do ano, empresas como Netflix, Twitter, Grupo Boticário, Cielo e Schneider Electric procuraram por especialistas em D&I.
Desde 2020, grandes empresas passaram a abrir vagas de trainee e estágio direcionadas a pessoas negras.
Por ser muito recente, ainda não existe uma formação específica para quem atua no setor, mas é comum que os profissionais tenham experiência em áreas como Comunicação, Recursos Humanos, Psicologia, Gestão de Pessoas e Administração. A solução para capacitar quem deseja trabalhar com D&I têm sido os cursos livres e os de pós-graduação. Só em 2021, foram criadas ao menos duas pós-graduações com foco em diversidade e inclusão nas organizações, na PUC-MG e na Universidade São Judas.
A área ainda movimentou o empreendedorismo e fez surgir consultorias que criam programas de diversidade para as grandes corporações, ou junto delas, e fazem o recrutamento e a seleção de candidatos com o objetivo de aumentar a inclusão de grupos minorizados.
O que são grupos minorizados?
No trabalho de D&I, cada empresa vai ter a sua particularidade, e os projetos e as políticas podem variar, mas no geral a atuação é dividida em grupos minorizados, ou seja, pessoas que, por sofrerem preconceito e opressão social, têm pouca ou nenhuma representatividade no ambiente corporativo e em cargos de liderança. Os grupos mais comuns a serem trabalhados pelas empresas são negros, mulheres, LGBTI+, pessoas com deficiência e aquelas que têm mais de 50 anos. Algumas organizações também trabalham com outros grupos, como refugiados, indígenas, pessoas gordas e a diversidade religiosa.
Pessoas negras
As empresas brasileiras ainda estão muito distantes de alcançar a equidade racial. Apesar da população do País ser composta por 56% de pessoas negras, elas são apenas 35% do quadro de funcionários nas empresas, segundo o Instituto Ethos. Na liderança, os números são ainda mais discrepantes. Segundo um relatório da consultoria Talenses com 532 empresas brasileiras, apenas 5% têm presidentes negros. Apenas uma afirmou ter uma presidente negra.
Mesmo dentro da área de D&I, também há uma discrepância. Uma pesquisa da consultoria Tree Diversidade em parceria com o Grupo TopRH, feita entre agosto e setembro de 2021, apontou que a maioria dos líderes de diversidade nas empresas é branca (51,1%), mulher cisgênero (75,7%), heterossexual (63,8%) e sem qualquer tipo de deficiência (94,2%). Para mudar essa realidade, surgiram iniciativas – como a Conselheira 101 – que capacita mulheres negras para ocuparem conselhos administrativos de empresas.
Na cauda dos programas focados em profissionais negros criados em 2020, com Magazine Luiza e Bayer como pioneiras, o cenário começou a mudar em 2021, ainda que em cargos de entrada. No primeiro trimestre, o número de estagiários negros contratados pelas empresas triplicou em relação a 2020. Entre janeiro e março, 743 estagiários pretos e pardos foram admitidos, contra 250 no ano anterior, um aumento de 197%.
Em 2021, ainda foi formalizado o Movimento pela Equidade Racial, o Mover, que reúne 47 grandes empresas no Brasil, como Coca-Cola, Magalu, Gerdau e Nestlé, que se comprometeram a gerar 10 mil postos de trabalho de alta liderança para profissionais negros até 2030.
Mulheres
Ao longo de toda a pandemia do coronavírus, diversas pesquisas confirmaram o que já era esperado: as mulheres foram as mais impactadas no período. Em 2020, a participação feminina no mercado de trabalho ficou em 46,3%, a mais baixa em 30 anos. O empreendedorismo feminino também foi impactado. Segundo análise do Banco Mundial, as empresas dirigidas por mulheres foram desproporcionalmente afetadas pela pandemia.
De todos os grupos minorizados, elas, geralmente, estão mais inseridas no mercado de trabalho, mas, muitas vezes, ocupam cargos mais baixos e batem no que é conhecido como ‘teto de vidro’, expressão que sintetiza as barreiras invisíveis que impedem as mulheres de ascenderem a cargos mais altos nas empresas. Fazem parte dessas barreiras, por exemplo, a crença de que são as mulheres que precisam cuidar dos filhos, o que pode prejudicá-las em uma promoção. Junta-se a isso também a ausência de mecanismos que contribuam para a retenção de profissionais grávidas e mães no mercado.
LGBTQIA+
A sigla é composta por identidades de gênero e orientações sexuais. As letras significam:
- L (lésbica, mulher que sente atração por outras mulheres)
- G (gay, homem que sente atração por outros homens)
- B/ P (bissexual e pansexual, pessoas que sentem atração por pessoas de todos os gêneros)
- T (transgênero, pessoas que não se identificam com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento)
- I (intersexual, pessoas que nasceram com características sexuais biológicas que não se encaixam nas categorias culturalmente masculina ou feminina)
- Q (queer, termo ainda não consensual com o qual se denomina a pessoa que não se enquadra em nenhuma identidade ou expressão de gênero)
- A (asssexual, pessoa que não sente atração sexual por pessoas de qualquer gênero)
- + para representar tudo no espectro do gênero e da sexualidade que as letras anteriores não descrevem
Ainda que haja um apagão de dados em relação a essa população, já que nenhuma pesquisa oficial, como o Censo do IBGE, aborda esse tema, a estimativa é que exista 18 milhões de brasileiros LGBTI+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Cada uma das letras da sigla possui seus desafios no mercado de trabalho. Segundo uma pesquisa feita pela consultoria Mais Diversidade, em parceria com o Estadão, apenas 15% dos profissionais LGBT declaram, explicitamente, que falam sobre o tema com a liderança.
A população transgênero é uma das que mais enfrentam obstáculos para acessar o mercado formal. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estimam que a expectativa de vida dos transgêneros é de 35 anos, enquanto da população geral é de 76 anos. Mesmo na área de tecnologia, onde sobram vagas e faltam profissionais, a população trans têm mais dificuldade para acessar o mercado.
Um levantamento da startup de recrutamento Revelo, de 2021, mostrou que enquanto pessoas cisgênero (pessoas que se identificam com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento) levam em média 30 dias para conseguir uma vaga, as pessoas trans capacitadas nas mesmas especialidades podem levar até dois anos.
Pessoas com deficiência
Em 2021, a Lei de Cotas (8231/91) – que reserva de 2% a 5% de vagas nas corporações com mais de 100 funcionários para pessoas com deficiência – completou 30 anos de vigência. Apesar de ser uma das principais formas de garantir o direito desse grupo de acessar o mercado de trabalho, 47% das vagas que por lei deveriam ser destinadas a pessoas com deficiência ainda não estão preenchidas.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, em muitos casos, as vagas para PCD são infladas para cumprir a lei e não para promover a inclusão de verdade. No primeiro trimestre de 2021, quase 25 mil pessoas com deficiência foram demitidas de seus empregos. Entre dezembro de 2020 e abril de 2021, os registros mensais mostram um saldo negativo de admissões comparadas às demissões – número que contrasta com a categoria de pessoas sem deficiência, cujo índice se manteve positivo.
50+
A estimativa para o Brasil é de que, em 2050, 30% da população tenha mais de 60 anos. Com o aumento da longevidade, também passou a ser uma preocupação a retenção e contratação de profissionais acima dos 50 anos no mercado de trabalho. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em pesquisa de 2019, 27,3% dos profissionais sem ocupação com mais de 40 anos procuram um trabalho, sem sucesso, há pelo menos dois anos. Outra pesquisa do InfoJobs, de 2021, apontou que 70% deles já sofreram preconceito no mercado em relação à idade. Só 12% das empresas têm mais da metade de seus profissionais com mais de 50 anos.
Para criar novas vagas e reter funcionários maduros, as empresas começaram a pensar em novos programas. Surgiram escolas, por exemplo, que capacitam 50+ para atuar na área de tecnologia. Pensar a transição de carreira e a aposentadoria também passou a fazer parte do escopo das empresas mais avançadas no tema da diversidade.
Mas ainda há muito a ser feito. Dados da Fundação Dom Cabral Longevidade e da Hype50+ (consultoria de marketing especializada em consumidores maduros) apontam oito carreiras que irão gerenciar a longevidade e a diversidade etária nas empresas nos próximos anos.
São cargos como:
- age adviser (conciliador de desacordos entre grupos de diferentes idades)
- CHO ou chief health officer (responsável por programas para cuidados com a saúde e reavaliação do sistema de seguros da empresa)
- CIO ou chief innovation officer (líder de equipe para pesquisar, projetar e aplicar inovações considerando as demandas da longevidade e da diversidade etária dos colaboradores)
- conselheiro de aposentadoria (cuida do planejamento de aposentadoria)
- consultor em gestão da longevidade e diversidade etária (cria soluções que vão desde o diagnóstico até o suporte para o desenvolvimento de pessoas e empresas)
- coordenador de desenvolvimento da força de trabalho e educação continuada (gerenciador de programas para ajudar funcionários qualificados a atingir níveis avançados)
- especialista em gestão da longevidade e diversidade etária (responsável pela compreensão do impacto da longevidade e da diversidade etária para o negócio e promoção dessa visão para todas as áreas da empresa)
- historiador corporativo (garante a preservação da memória institucional frente ao ‘turnover’ dos colaboradores jovens e a aposentadoria dos mais velhos)
Por onde começar?
Começar um programa de Diversidade e Inclusão na empresa é complexo, mas a boa notícia é que existem muitos conteúdos para ajudar, como cartilhas, cursos online e guias. Reunimos também as principais dicas de especialistas já entrevistados pelo Estadão Carreira e Empreendedorismo:
- Promover letramento e sensibilização:Antes de fazer um censo demográfico interno é preciso mostrar para os funcionários quais grupos minorizados existem, os obstáculos de cada um, conectá-los e sensibilizá-los para o tema.
- Fazer um censo demográfico: Pensar em inclusão vai além da contratação de novos profissionais. É preciso saber exatamente o perfil de funcionários que já são contratados da companhia. Por isso, é importante criar um censo, de forma anônima, para que as pessoas possam se autodeclarar quanto a gênero, orientação sexual e raça, por exemplo.
- Estabelecer metas:Para mudar a realidade da empresa, é preciso ter metas para a área de D&I, assim como em todos os outros setores. Em 2021, muitas organizações estabeleceram seus planos para os próximos anos, como, por exemplo, ter 30% de mulheres e negros em cargos de liderança.
- Criar políticas de D&I:Depois de ensinar o que é um ambiente inclusivo, é preciso criar ações específicas tanto para estabelecer direitos, quanto para determinar punições em caso de descumprimento das normas e manifestação de preconceito. Esses mecanismos criam um ambiente de trabalho mais seguro e aumentam a retenção de funcionários.
- Repensar critérios de contratação:É preciso rever os processos de recrutamento e seleção da empresa para que eles não sejam excludentes. Repense: faz sentido mesmo para a sua empresa e para aquele cargo exigir inglês fluente? Para os casos em que o domínio da língua é necessário, há empresas que patrocinam ou oferecem aulas para os contratados.
- Fazer parcerias com consultorias:Outro ponto importante é a contratação direcionada. Se a sua meta é contratar mais profissionais negros, por exemplo, não seria o caso de fazer um processo exclusivo para essa população? Uma boa forma de chegar até os profissionais específicos, é pelas consultorias de empregabilidade, como Transempregos, EmpregueAfro e Transcendemos, por exemplo.
- Ter projeto de desenvolvimento de carreira:Um aspecto muito comum na inserção de grupos minorizados no mercado de trabalho é que eles ocupem apenas os cargos de entrada da empresa. Para que isso não aconteça, é preciso ter programas específicos de desenvolvimento de talentos e esses profissionais tenham condições de alcançar posições mais altas na hierarquia, como mentorias.
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