- fevereiro 1, 2022
- Posted by: Rafael Kosoniscs
- Categories: Inclusão, Notícias
Se você é responsável por uma marca que quer ser reconhecida como inclusiva, leia essa matéria até o final. Depois, volte dois passos
POR WANESSA FERRARI – 31 DE JANEIRO DE 2022
Se você leu o título e o subtítulo dessa matéria e ainda assim se interessou pelo assunto, vamos ao primeiro passo: assumir que a sociedade brasileira, de modo geral, é capacitista, especialmente quando se fala na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Muita gente, inclusive você, pode nem saber exatamente o significado da palavra, mas certamente já experienciou – ou protagonizou – uma situação que envolve capacitismo na prática.
Sabe quando a capacidade de uma pessoa de realizar um trabalho é questionada tendo como base apenas a sua deficiência? Isso é capacitismo. Sabe quando o termo ‘normal’ é usado para definir uma pessoa sem deficiência? Isso é capacitismo. Sabe quando uma marca escolhe uma pessoa com deficiência física e a coloca como representante de todas as outras pessoas com deficiência, ignorando particularidades, apenas para cumprir cota, em uma campanha de propaganda? Isso é capacitismo.
Por isso, reconhecer que o capacitismo está enraizado na sociedade e presente no mercado de trabalho, nas relações sociais e também na comunicação das marcas é o primeiro passo para as empresas que querem mudar o jogo e – de fato – serem inclusivas, oferecendo igualdade de oportunidade.
Para além do discurso bonito, marcas precisam voltar dois passos e começar pelo reconhecimento de suas falhas, erros e processos, para só então conseguir avançar um.
Pessoas com deficiência: entre a teoria e a prática
A título de classificação, uma pessoa é considerada deficiente quando possui um “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 20219, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada recentemente, 17,3 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, número que representa 8,4% do total da população.
Para as marcas, mais do que números, esses dados representam grandes oportunidades de atuação no mercado, afinal, com consumidores cada vez mais exigentes em relação à governança social, incluir pessoas com deficiência em suas campanhas e metas traz impactos diretos na reputação, na imagem e, é claro, nos resultados.
O problema é que o capacitismo enraizado na sociedade também penetra organizações que, muitas vezes, escorregam feio na tentativa de passar uma imagem inclusiva, se apoiando mais no discurso do que na prática, especialmente nas campanhas publicitárias.
“Acredito que houve uma evolução [na inclusão de pessoas com deficiência], mas há ainda uma certa seletividade em quem participa das campanhas, como participa e quando participa. Além disso, são normalmente campanhas muito pontuais e que não abrangem todas as possibilidades de diversidade dentro da comunidade de pessoas com deficiência. Parece que há uma certa higienização na escolha das deficiências, isso para não falar quando consideram em campanhas de diversidade que pessoas com deficiência são diversidade”, destaca Amanda Soares, escritora com deficiência, influencer, professora, pesquisadora e palestrante, que está à frente do perfil @arteamare no Instagram.
Desde que começou a trabalhar com a rede social, há 7 anos, Amanda já experimentou o capacitismo na pele várias vezes. Recentemente, inclusive, fez um desabafo em seu perfil no Instagram sobre a sensação que tem de que as empresas se apoiam no discurso de inclusão de pessoas com deficiência apenas para cumprir cotas.
“Faz 7 anos que eu trabalho na internet, 3 anos que viralizei e eu sempre enviei mensagens para as marcas mostrando meus trabalhos e o quanto de engajamento tenho. Mas o retorno que tenho é: ou as marcas já têm uma pessoa com deficiência contratada – como se fosse um cumprimento de cota – ou dão a entender que eu influencio somente o público com deficiência, que não faz nenhum sentido até porque meu público majoritariamente é formado por pessoas sem deficiência”, explica.
Para ela, a justificativa deste comportamento tem raízes culturais e históricas e tem a ver com a crença limitante a respeito de como se compreende as pessoas com deficiência no mundo, bem como seus interesses e potências.
“É necessário mais do que a ideia de inclusão de forma prática e superficial. É preciso que as empresas entendam que nós, pessoas com deficiência, geramos lucro e interesse, afinal somos humanos complexos como o resto da humanidade. É um letramento longo, mas chegaremos lá se houver cooperação da sociedade de consumo e das empresas”, avalia.
Volte dois passos
Entender as questões que envolvem capacitismo, portanto, é o primeiro passo para as marcas que desejam, de fato, serem inclusivas para além do discurso.
“É preciso mudar a ampla compreensão a respeito de pessoas com deficiência. Não à toa, são pessoas. Logo, são lotadas de complexidades e individualidades. Logo, não tem como dizer que uma pessoa que usa cadeira de rodas, por exemplo, representa todas as demais, porque além de ela ser diferente subjetivamente, ela tem experiências distintas das outras. Eu uma mulher branca, nunca vou conseguir falar pela mulher preta que mora na periferia, mesmo as nossas deficiências sendo idênticas, porque até a forma de experienciar a deficiência é diferente, mas principalmente a forma de experienciar a vida. Não podemos ser alocados como se a deficiência nos igualasse. Isso é inadmissível”, pontua a escritora.
Nesse sentido, incluir pessoas com deficiências diversas em suas campanhas é um dos primeiros passos a serem dados por marcas que almejam caminhar contra o capacitismo.
Além disso, mais do que agir sem capacitismo, é preciso que empresas reconheçam seus erros e pensem em estratégias para não incorrer neles novamente.
“Mais importante do que uma empresa não cometer capacitismo – porque isso é inevitável já que a gente vive em uma estrutura capacitista que precisamos de anos para desconstruir – é que ela saiba reconhecer que cometeu capacitismo e saiba elucidar isso. A sociedade como um todo precisa conseguir reconhecer a violência e perceber como ela funciona para, desta forma, retorne em seu ato e consiga repudiá-lo. Deixar de cometer capacitismo ainda é utópico”, avalia Amanda Soares.
Não espere por aulas
Para a influencer, outro ponto importante a ser considerado pela sociedade – e consequentemente pelas marcas que buscam a inclusão – é a necessidade de buscar informação e autonomia de estudo sobre o assunto.
“As pessoas não podem ficar imensamente dependentes de pessoas com deficiências, esperando que elas falem sobre isso. As pessoas com deficiência devem ter a possibilidade de falar sobre outras coisas para além da narrativa da dor, de sanar um problema que não foi as pessoas com deficiência que começaram. Não fomos nós que nos excluímos, que nos violentamos. Porque colocar a gente nesse papel o tempo todo?”, questiona a palestrante.
Nesse sentido, vale o alerta sobre a importância de reconhecer o lugar de fala das pessoas com deficiência, mas não reduzi-las a este papel.
“Eu poderia dar uma lista de práticas anti-capacitistas, mas eu entendo, tanto como professora, quanto como pessoa com deficiência, que quando eu faço isso eu estou mastigando conhecimento e delimitando uma questão complexa. Aí as pessoas e empresas não se prestam a criar seus próprios meios. Hoje, eu compreendo que isso é um imenso desserviço para uma sociedade que precisa se reeducar a fundo e não engolir conteúdo simplificado”, pondera Amanda Soares.
https://www.consumidormoderno.com.br/2022/01/31/pessoas-com-deficiencia-marcas