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Nos EUA, sete instituições de saúde relataram uma demanda maior por cirurgias de transição em 2021; profissionais usaram tempo em casa para se recuperar de cirurgias

Jenny Gross e Alyssa Lukpat, The New York Times

06 de abril de 2022 |

Durante muito tempo, Deke Wilson, 41 anos, hesitou sobre a transição de gênero. Ele sentia que isso era fundamental para sua felicidade, mas havia diversas razões para adiar o processo: o custo, a recuperação difícil, as possíveis complicações médicas.

Mas enquanto ficou em casa durante as primeiras semanas da pandemia de covid-19, Wilson disse que teve um sentimento de urgência. “Você está se esforçando tanto para evitar não se contaminar com essa doença”, disse ele. “Por quê? Porque você quer viver – você quer viver a vida plenamente da melhor maneira possível. Para mim, isso significa estar confortável na própria pele.”

Wilson, que trabalha em uma empresa de logística em Cleveland, submeteu-se a cinco cirurgias de março a dezembro do ano passado no Hospital Universitário de Cleveland, recuperando-se delas enquanto trabalhava de casa. Ele espera voltar ao trabalho presencial neste mês.

Para algumas pessoas transgênero, o período de trabalho remoto durante a pandemia ofereceu uma oportunidade para dar os próximos passos em suas transições de gênero, de acordo com entrevistas com mais de 30 pessoas transgênero, seus médicos e ativistas.

Deke Wilson, 41 anos, submeteu-se a cinco cirurgias de março a dezembro do ano passado enquanto trabalhava de casa. Foto: Daniel Lozada/The New York Times

Continua sendo difícil achar dados sobre procedimento médicos para transição de gênero durante a pandemia, entretanto evidências anedóticas das entrevistas sugerem um aumento nas cirurgias em comparação com anos anteriores. Nenhum banco de dados monitora o número total de pessoas nos Estados Unidos que se submetem a procedimentos médicos para transição de gênero a cada ano, mas sete instituições de saúde regionais e locais relataram uma demanda maior por cirurgias de transição em 2021, em comparação com 2020, quando muitas cirurgias foram suspensas devido à pandemia. A demanda também foi maior em 2021 em comparação com 2019, antes da pandemia.

Embora parte do aumento possa ser atribuído às cirurgias adiadas enquanto os hospitais estão sobrecarregados com pacientes de covid-19, os médicos da área ofereceram outras explicações.

Eles observam que mais empregadores estão cobrindo os cuidados de saúde transgêneros em seus seguros de saúde, que as técnicas cirúrgicas estão se tornando mais seguras, resultando em melhores resultados cosméticos, e que mais hospitais estão oferecendo esses serviços aos pacientes.

Por exemplo, a rede de hospitais Mount Sinai, que possui o maior programa de atendimento a transgêneros na cidade de Nova York – o Centro de Medicina e Cirurgia Transgênero – também registrou um aumento. Foram 938 cirurgias em 2021, 60% a mais que no ano anterior e 43% a mais que em 2019.

“Estamos nos esforçando para ter capacidade de atendimento para as pessoas que se sentem confortáveis em nos procurar”, disse Joshua Safer, diretor executivo do centro.

No Centro de Saúde para Atendimento a Transgêneros Northwell, em Nova York, fundado em 2016, o número de procedimentos de transição praticamente dobrou em 2021, em comparação com o número de cirurgias de 2020, que foi semelhante ao número de 2019, de acordo com David W. Rosenthal, diretor da instituição.

Muitas pessoas transgênero não sentem que cirurgias caras são necessárias. Para aquelas em busca de procedimentos médicos de transição de gênero, são comuns: adequação do tórax, redesignação sexual, frontoplastia, lifting de lábios e remoção ou adição de pomo-de-adão.

Permissão para mudar de sexo

Mesmo com o aumento do acesso a cuidados médicos para transgêneros, o assunto continua sendo polêmico do ponto de vista político e cultural nos EUA, onde os americanos estão divididos em relação a se acreditam que outras pessoas devam ter permissão para mudar legalmente de sexo, segundo uma pesquisa da YouGov publicada em setembro.

Essas tensões também acontecem no local de trabalho, apesar das iniciativas de maior inclusão por parte de alguns empregadores, embora a pesquisa a respeito das experiências de cerca de 1,4 milhão de pessoas transgênero no país seja limitada.

Um relatório da McKinsey publicado em novembro descobriu que funcionários transgêneros ganham 32% menos que o restante da população, mesmo quando têm níveis de educação semelhantes ou superiores. Quase dois terços dos trabalhadores transgêneros nos EUA continuam no armário em algumas ou em todas as interações profissionais com clientes ou consumidores, por causa do medo de sofrer hostilidade, assédio ou passar por situações desconfortáveis. Adultos transgêneros são duas vezes mais propensos que os demais a ficarem desempregados, apontou o relatório.

Enquanto trabalhava de casa, Erica Mack, 59 anos, se recuperou de duas cirurgias de feminização facial. Foto: Emily Rose Bennett/NYT

Mesmo que um local de trabalho seja inclusivo, muitas pessoas transgênero ficam relutantes em se assumir totalmente. Erica Mack, 59 anos, gerente de vendas externas da Samsung Electronics nos EUA, em Grand Rapids, Michigan, disse que se sente apoiada por seus colegas desde que se assumiu como mulher transgênero há cerca de três anos. Mas, segundo Erica, às vezes ela escuta sem querer comentários desrespeitosos de clientes, como: “Isso é um homem ou uma mulher?”.

Trabalhar de casa durante a pandemia foi um alívio bem-vindo. Ela teve tempo para pensar nas mudanças que gostaria de fazer em sua vida e no que a estava impedindo de passar por uma cirurgia de feminização facial. Ela disse ter ficado extremamente feliz quando a Samsung adicionou a cobertura de procedimentos de transição de gênero em seu seguro de saúde.

Erica disse ter lutado a vida toda contra a disforia de gênero, um termo médico para a angústia ou o desconforto que ocorre quando a identidade de gênero não se alinha com o sexo atribuído no nascimento. Ela se recuperou de suas duas cirurgias de feminização facial no Centro de Saúde Northwell em 2021 enquanto trabalhava de casa, deixando a câmera do computador desligada em algumas reuniões. Sua angústia desde então desapareceu, afirmou.

Agora, ela disse: “Eu posso, sem maquiagem, andar por aí – sem usar brincos ou qualquer joia – e simplesmente entrar em um banheiro feminino e não me preocupar, e isso tem sido a coisa mais libertadora deste planeta”.

Pronomes: nem masculinos nem femininos

Mesmo nas cidades e nos locais de trabalho mais liberais, muitas pessoas ficam claramente perplexas ou se sentem ameaçadas pelas iniciativas de inclusão focadas na identidade, assim como pelas mudanças na cultura e no idioma, de acrônimos a escolha de pronomes.

David Baboolall, que coescreveu o relatório da McKinsey a respeito de pessoas transgêneros e que, como pessoa transgênero, usa o pronome “elx” (“they”, no original em inglês), disse que os programas das empresas de treinamento em diversidade às vezes se concentram nas experiências de pessoas gays enquanto ignoram as experiências de pessoas transgênero ou não-binárias, afirmou.

“Nossa experiência é apagada ou ignorada porque as pessoas simplesmente não têm o vocabulário para falar sobre o tema ou ficam receosas de ofender alguém ao usar as palavras que sabem estar de fato erradas”, disse ilu. “Para criar políticas mais inclusivas, é importante entender o quanto a educação é importante nessa questão.”

Parte da criação de um ambiente de trabalho inclusivo significa investir em grupos de afinidade (também conhecidos como grupos de diversidade) de funcionários e elaborar guias para gestores, disseram várias pessoas transgênero e de gênero fluido nas entrevistas.

Rae Lee, 31 anos, professora do Kentucky que trabalha em uma escola fora dos EUA e temia ser demitida caso se assumisse como transgênero para seus chefes, disse que o trabalho remoto durante a pandemia deu a ela espaço para dar os próximos passos em sua transição de gênero. Ela deixou o cabelo crescer, experimentou maquiagem e começou a terapia hormonal.

“Voltar para o trabalho agora parece muito difícil”, disse Rae, que voltou a dar aulas presencialmente e ainda se apresenta no masculino no trabalho. Ela diz às vezes ainda se perguntar por que demorou tanto para sair do armário para as pessoas mais próximas a ela. “Todos aqueles medos que eu tinha, tudo o que estava me impedindo de fazer a transição, não fazem mais sentido”, disse ela.  “Eu não sabia que poderia ser feliz assim.”

Wilson, o homem que se submeteu a cinco cirurgias de transição enquanto trabalhava remotamente, disse que estava um pouco nervoso em voltar ao escritório, mas também empolgado por se sentir confortável em seu próprio corpo.  Ele tem a expectativa de que seus colegas o apoiem, como quando ele se assumiu em dezembro de 2019, mas antecipou dúvidas em relação aos seus novos pelos faciais e aumento de massa muscular.

“Estou um pouco ansioso para as pessoas verem as mudanças”, disse ele.

/ Tradução de Romina Cácia

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