- abril 29, 2022
- Posted by: Rafael Kosoniscs
- Categories: Diversidade, Inclusão
Fernando Sampaio Cabral, natural de Recife, graduado em Direito e Pós-graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual do Trabalho e Igualdade no Trabalho. É Auditor-fiscal do Trabalho desde 1995 e, em 2008, assumiu a coordenação do Projeto de Fiscalização de Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitados em Pernambuco desde 2008. É uma pessoa com deficiência em decorrência da Osteogênese Imperfeita ou Doença de Ekman-Lobstein, do grupo de doenças genéticas raras.
Publicado em: 25/04/2022
Por Sergio Campos
A Lei de Cotas existe desde 1991, mas ainda é uma tarefa árdua garantir a colocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. No Brasil existem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência e mesmo com essa grande proporção, alcançar o percentual mínimo previsto pela Lei de Cotas ainda é algo distante.
Para entender melhor este cenário e as barreiras enfrentadas na inclusão profissional das pessoas com deficiência, eu, Sergio Campos, entrevistei Fernando Sampaio Cabral, natural de Recife, graduado em Direito e Pós-graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual do Trabalho e Igualdade no Trabalho. É Auditor-fiscal do Trabalho desde 1995 e, em 2008, assumiu a coordenação do Projeto de Fiscalização de Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitados em Pernambuco desde 2008. É uma pessoa com deficiência em decorrência da Osteogênese Imperfeita ou Doença de Ekman-Lobstein, do grupo de doenças genéticas raras.
Fernando Sampaio nos traz informações e números importantes sobre o mercado de trabalho e a relação deste com as pessoas com deficiência. Segundo Fernando, o trabalho de fiscalização das empresas no que se refere aos números de cotas é um trabalho que depende de várias esferas e uma delas é o Poder Judiciário. Fernando explica que muitas empresas ao serem autuadas por estarem em desacordo com a Lei de Cotas costumam argumentar que estão se esforçando para conseguir preencher as vagas, mas que não estão obtendo sucesso e para provar isso apresentam vários pedidos de candidatos que sejam pessoas com deficiência para as agências de emprego. Fernando diz que esse artifício não costuma funcionar com a fiscalização, mas que muitas vezes ao chegar ao Judiciário o auto de infração “cai”, pois é necessário um Juiz do Trabalho mais experiente no tema para compreender o que são iniciativas realmente afirmativas e o que são apenas justificativas sem fundamento.
Fernando Sampaio nos conta sobre um caso marcante que enfrentou em seus muitos anos trabalhando especificamente com direitos humanos e pessoas com deficiência: “Certa vez, no dia D da Inclusão da Pessoa com Deficiência, evento de grande porte que reúne pessoas com deficiência e empresas, uma empresa teve cerca de vinte pessoas encaminhadas para seu processo seletivo mas, durante a fiscalização, o argumento deles [da empresa] foi ‘não compareceu a entrevista’ para todos os funcionários encaminhados. Mas como o número saltava aos olhos no dia do evento, resolvi ligar para os sete primeiros da lista de encaminhados para esta empresa e o que me foi relatado era que nenhum deles recebeu qualquer aviso sobre o dia em que seria realizada a entrevista”.
Indaguei a Fernando como é a ação da fiscalização e como as empresas agem ao serem autuadas e ele explica: “A gente oportuniza ela [a empresa], ‘vocês não têm pessoas qualificadas? Então vamos trabalhar com Aprendizagem?’ A gente faz um termo de compromisso que suspende o efeito da fiscalização para que a empresa desenvolva um programa de Aprendizagem que pode ter várias turmas e que qualifique as pessoas para o trabalho”.
Quis saber de Fernando Sampaio também qual o maior desafio, além do preconceito, que inibe a contratação de pessoas com deficiência e ele nos conta:
“Veja bem, o maior desafio é a barreira atitudinal. Antigamente eu achava que era só discriminação – porque a gente tem que distinguir o que é preconceito do que é discriminação -, eu sempre coloco essa diferenciação porque ela é importante: o preconceito é aquilo que está na nossa cabeça, a gente trabalha e enfrenta com educação, com informação, difusão de conhecimento. Quando aquilo que você tem na sua cabeça você transforma em uma ação de fechamento de portas para algum grupo, alguma característica específica, isso é discriminação, e a discriminação se combate com medidas penais, administrativas, multas, indenizações etc.”
Um argumento muito recorrente no meio empresarial é o que não existem pessoas com deficiência em número suficiente no mercado para preencher as vagas da Lei de Cotas devido ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), pois elas não querem entrar no mercado de trabalho para não perder o BCP, mas um estudo realizado por Auditores-Fiscais do Trabalho, teve como base dados estatísticos oficiais, e visa desmistificar esse argumento. Fernando nos conta: “Outro item que as empresas falam muito é a questão do BPC. Que o BPC impede a disponibilidade de pessoas com deficiência no mercado porque ninguém quer perder o BPC, mas neste estudo mostramos que a quantidade de pessoas com deficiência que recebem o BPC é muito pequena, pois a maioria das pessoas não consegue o benefício. No caso daquelas pessoas com deficiência que recebem o benefício, são 2,2 milhões, número bem inferior à quantidade de de pessoas com deficiência severa, que no Brasil é de 9.325.550 de pessoas”.
Então, esse diagnóstico foi feito só considerando deficiências severas. Não considerou as leves nem as moderadas. Além disso, o recebimento do BPC não é garantido pela deficiência. A principal condição de elegibilidade, extremamente restrita, é comprovar renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo. E Fernando continua: “Quando a empresa alega que é o BPC que causa falta de pessoas com deficiência no mercado, o que ela está indicando? Que só está ofertando vagas de baixa escolaridade, pois há uma correlação entre a miserabilidade e a realidade do BPC: somente pessoas em condições de miserabilidade conseguem o benefício porque a renda per capta da família tem que ser de até 25% do salário-mínimo, então a empresa só está oferecendo cargos de baixa escolaridade, mas por que não oferece cargo de nível médio completo? de nível superior? Pessoas com maior escolaridade costumam não atender ao critério de renda do BPC”.
Outro argumento muito comum seria de que não há pessoas pessoas com deficiência o suficiente e qualificadas adequadamente para preencher as vagas das cotas, mas Fernando explica: “Nós tínhamos, em 2010, um total de vagas da reserva legal, pela Lei de Cotas, 752.000 pessoas e o IBGE nos diz que em 2010 existiam com nível médio completo e superior incompleto, nove vezes mais do que o total de vagas e, quando consideramos só o superior completo, as pessoas com deficiência no Brasil eram, em 2010, 2.808.878 pessoas, ou seja, se você for exato, a quantidade do total de vagas, quando se considera o nível médio completo e superior incompleto esse percentual vai para quase 10 vezes. Isso é uma falácia: dizer que não há pessoas com deficiência qualificadas suficientes para preencher as cotas.”
Outro dado importante sobre as cotas é que a Relação Anual de Informações Sociais(RAIS) de 2014, mostra que 93% das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho foram declaradas por empregadores com obrigação legal de reservar parte de suas vagas para pessoas com deficiência, seja no concurso público, seja na contratação direta. Fato que corrobora com a afirmação de que, sem as políticas afirmativas da reserva legal de cargos para esse segmento da população, não existe mercado de trabalho para pessoas com deficiência.
Apesar da Lei 8.213/1991, também conhecida como “Lei de Cotas”, ter 31 anos, apenas 49% do número de vagas da reserva legal pelas cotas é cumprido, mostrando que avançamos sim, mas não chegamos, em mais de 30 anos, nem à metade do caminho.