- fevereiro 27, 2023
- Posted by: Coexistir
- Category: Acessibilidade
Por Bianca Zanatta
Apesar da formação, profissionais encontram poucas oportunidades de trabalho compatíveis com seu conhecimento; empresas buscam virar o jogo olhando primeiro para competências e incentivando protagonismo na carreira
ESPECIAL PARA O ESTADÃO – A lei de cotas para pessoas com deficiência (PCD) já completou 31 anos, mas a inclusão produtiva dessas pessoas no mercado de trabalho ainda está longe de ser satisfatória no Brasil. Pesquisa da Noz Inteligência, com mais de 3,7 mil PCDs, mostra profissionais com formação superior continuam invisíveis para o mercado.
Do grupo de pessoas entrevistadas, 55% têm deficiência física ou mobilidade reduzida; 21%, deficiência visual; 21%, auditiva; 2%, intelectual ou mental; 1%, psicossocial; e 3%, Transtorno do Espectro Autista (TEA). Sobre a área de formação, 36% dos entrevistados afirmaram atuar na área e terem cargo compatível com sua especialização.
Outros 50% vivem uma situação diferente: 20% atuam na própria área, mas em cargo inferior à formação ou especialização, e 30% informaram que não atuam na área por falta de oportunidades no mercado. 14% não atuam na área de especialização, mas por escolha própria.
Para a economista Juliana Vanin, fundadora da Noz Inteligência e coordenadora da pesquisa, os dados apontam para um cenário fortemente capacitista no mundo do trabalho. “No nosso estudo, trouxemos um recorte de pessoas bastante escolarizadas. Isso eliminou a ideia de que (o problema) seria apenas a falta de escolaridade das PCD”, diz.
A economista explica que a lei de cotas precisa ser revisada e trazer novas políticas para que exista uma evolução. “Funciona, mas quase sempre sem passar dos 50% de cumprimento. A lei tem gaps porque insere no mercado, mas não faz com que o profissional tenha as mesmas oportunidades que os outros e um plano de carreira”, aponta.
A dificuldade dessas pessoas começa na formação básica. Em 2019, baseado na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou que cerca de 67,6% da população com deficiência não tinha instrução ou tinha o ensino fundamental incompleto – mais que o dobro do porcentual entre as pessoas sem nenhuma deficiência, que era de 30,9%. Quanto a ter nível superior completo, o índice era de 5% entre as PCD, contra 17% do restante.
Mas o problema vai além. Mesmo quando têm formação superior, esses profissionais seguem invisibilizados por um mercado que não reconhece suas competências.
À frente da consultoria em diversidade e inclusão Newa, a jornalista e socióloga Carine Roos diz que a inclusão produtiva é muito importante para as empresas que realmente querem impulsionar a carreira das PCD, e não apenas cumprir uma meta. “Primeiro precisa ver o talento, a competência, a experiência dessa pessoa, e depois olhar a deficiência”, ela afirma, lembrando que o capacitismo ignora a bagagem e o conhecimento desses profissionais.
“Outra coisa que acontece é a invisibilização dessas pessoas no ambiente de trabalho”, acrescenta ela. “Não há um plano de carreira estruturado para sua ascensão – fato que a gente também vê acontecer com outros grupos minorizados, como mulheres e pessoas negras. Falta capacitação de lideranças e colaboradores nesse sentido e criar mais políticas e processos internos para que efetivamente a equidade aconteça.”
A especialista enfatiza que a estratégia deve abranger desde políticas, práticas e processos mais inclusivos até o preparo do ambiente organizacional para que a pessoa tenha segurança psicológica. “Isso significa preparar as pessoas que vão receber esses talentos dentro da companhia. Pode ser feito por meio de sensibilizações, como palestras e workshops, e ações intencionais que façam essa pessoa se sentir pertencente dentro da organização”, indica.
Além da cota
Com mais de 2 mil funcionários no Brasil, o Citi Brasil vem investindo parte do budget (orçamento) em talentos – e isso inclui o foco em profissionais que são também pessoas com deficiência, segundo Guilherme Mancin, responsável de RH do banco. Ele fala que no início do trabalho com cotas, as vagas eram muito operacionais, mas agora houve uma guinada na prática de contratação.
“Existem as vagas regulares marcadas para PCD, mas agora estamos trazendo essas pessoas também para atividades que requerem conhecimentos acadêmicos bastante específicos. As últimas três contratações foram para atuar em riscos e finanças”, exemplifica. “Para uma vaga de estatístico, entrevistamos 5 ou 6 profissionais extraordinários. Ainda não sobram talentos PCD no mercado, mas se você procura, acha.”