- agosto 11, 2023
- Postado por: Coexistir
- Categories: 60+, Inclusão
Doméstica aposentada encontrou trabalho de caixa em empresa de SC que contrata veteranos; previsão é que, em países do G7, pessoas com 55 anos ou mais ultrapassarão 25% da força de trabalho até 2031
Por Bruna Klingspiegel
11/08/2023 | Aos 73 anos, Lúcia Telles trabalha há sete meses como caixa de supermercado no Fort Atacadista, em Florianópolis (SC), para complementar a renda da aposentadoria. Maria Aparecida, com 62 anos, é psicóloga e ex-funcionária pública, e compartilha a mesma jornada de trabalho com Lúcia, colaborando lado a lado há 5 meses. Graças a uma política de inclusão realizada pela empresa elas conseguiram voltar ao mercado de trabalho, mas isso é raro.
Lucia Telles, 73, e Maria Aparecida dos Santos, 61, trabalham no Fort Atacadista, do Grupo Pereira, em SC
Foto: Anderson Coelho
Força de trabalho está envelhecendo no mundo todo
A inclusão de profissionais 50+ no mercado de trabalho é uma questão que tem ganhado relevância, considerando o crescente envelhecimento da população.
Não conseguir o equilíbrio entre esses dois lados poderá resultar em prejuízos para as empresas no futuro. Estudo da consultoria Bain and Company prevê que nos países do G7 os trabalhadores com 55 anos ou mais ultrapassarão 25% da força de trabalho até 2031. Isso significa um aumento de quase 10 pontos percentuais em relação a 2011.
No Brasil, segundo o IBGE, as pessoas com 50 anos ou mais representam apenas entre 3% e 5% dos funcionários nas empresas.
Por qual razão, então, ao mesmo tempo em que a força de trabalho envelhece, as empresas não conseguem adotar estratégias e soluções para incluir e reter esses profissionais?
Para especialistas, isso pode ser atribuído a diversos fatores, como falta de conscientização sobre os benefícios da diversidade geracional, preconceitos culturais e gestão antiquada.
Empresas buscam valorizar veteranos
Algumas empresas incluem os veteranos como parte de sua estratégia de negócios.
O Grupo Pereira, por exemplo, dono do Fort Atacadista, foi o primeiro varejista a receber o selo age friendly employer, uma chancela internacional que atesta boas práticas contra o preconceito etário e comprova ações voltadas aos colaboradores com 50 anos ou mais.
“As pessoas ficam aqui porque se sentem reconhecidas e valorizadas. Não queremos apenas contratar esses colaboradores. Queremos que as pessoas possam crescer conosco, que saibam que têm espaço para se desenvolver”, diz Paulo Silva, diretor de Gente&Gestão do Grupo Pereira.
Psicóloga que agora é caixa quer crescer
Psicóloga e ex-funcionária pública, Maria Aparecida, 62, sentiu a necessidade financeira e emocional de continuar trabalhando após a aposentadora e se candidatou para diversas vagas na sua área.
Após muitas recusas, ela desistiu de procurar. Então, foi chamada para uma vaga em um mercado atacadista da cidade. Como caixa, ela tem a oportunidade de conversar com os clientes e até planeja o crescimento na escada corporativa da companhia.
Ela conta que quer se inscrever em uma pós-graduação em gestão de pessoas para aproveitar as oportunidades de mobilidade interna que o atacadista oferece.“Eu ainda tenho muito a dar para o mundo, então quero crescer aqui”, conta.
Idosa quer chegar trabalhando aos 80 anos
Lúcia trabalhou a vida toda como doméstica e após a aposentadoria, precisava aumentar a renda. Após alguns meses atuando como vendedora de bilhetes de loteria, foi demitida. Após algum tempo, recebeu o convite para trabalhar no mercado e começou o seu primeiro emprego com carteira assinada após a aposentadoria.
“Nunca pensei que, se viesse trazer um currículo aqui para trabalhar, seria aceita. Por mim, quero ficar aqui até os 80 anos”, brinca.
Veteranos devem se valorizar
No mercado da tecnologia, os desafios são outros. Quando Viviane Oliani, 52, estava pensando na possibilidade de “desligar os motores” e se afastar do mercado de trabalho, recebeu um convite para se tornar coordenadora de sistemas na Alelo e optou por aceitá-lo. Ela acreditava que as oportunidades seriam escassas a partir daquele momento, mas decidiu encarar o desafio.
Com mais de três décadas de experiência na área de tecnologia, ela observa que, devido à constante associação do mercado à juventude, os profissionais maduros frequentemente se subestimam. A natureza da tecnologia exige uma atenção ininterrupta 24 horas por dia, 7 dias por semana.
“Às vezes, sinto que podemos nos tornar ultrapassados”, desabafa. “Tudo muda rapidamente, é uma dinâmica intensa, mas devemos ter cuidado para não acharmos que não temos mais um papel importante na sociedade. Nosso conhecimento é importante para as empresas. Precisamos valorizar nossa trajetória”, diz.
Assim como ela, aos 60 anos, Ademar Catalani, consultor de projetos na All Set Comunicação, também retornou ao mercado após ser convidado por uma empresa. Com 30 anos de experiência no Itaú e tendo ocupado 11 cargos ao longo de sua carreira, ele manteve o hábito de aprender constantemente e realizar trabalho voluntário, o que facilitou sua transição de volta ao mercado de trabalho.
“Eu venho de uma geração em que o script da minha vida estava pronto. Quero continuar enfrentando desafios profissionais”, destaca.
Boas práticas
Michelle Queiroz, especialista em longevidade e professora da Fundação Dom Cabral, elencou os três pontos mais importantes para incluir e reter profissionais maduros nas empresas. Confira:
Processo de seleção inovador
Para atrair candidatos mais experientes, as empresas precisam analisar cuidadosamente o que a vaga exige. Michelle explica que isso envolve não apenas habilidades técnicas, mas também o que a posição especificamente necessita e entender se é possível adaptá-la às demandas dos profissionais maduros.
Ambiente de trabalho flexível
Além de uma carga horária mais flexível, a especialista destaca a importância de pensar modelos de contratação que vão além da CLT, como mentores ou consultores. “Esse profissional não quer mais trabalhar 12 horas por dia. Ele quer viver nessa nova fase outra relação com o trabalho”, explica.
Aprendizado de mão dupla
A promoção de uma cultura inclusiva para todas as faixas etárias requer uma abordagem que considere a intergeracionalidade, algo que não ocorre naturalmente nas empresas atuais. Em um contexto onde coexistem cinco diferentes gerações, cada uma vivenciando suas próprias experiências no dia a dia, muitas vezes não se estimula uma reflexão sobre essa diversidade.
É essencial ir além das simplificações das nomenclaturas como geração X, Y, Z e reconhecer que cada parcela possui características distintas, mas também uma força unificadora.
Como exemplo, Queiroz cita as mentorias reversas. Enquanto normalmente associamos a mentoria a um processo onde alguém mais experiente instrui alguém mais jovem, a inversão desse paradigma revela uma oportunidade única.
Nesse caso, uma pessoa mais velha também pode absorver novos conhecimentos vindos de uma perspectiva mais jovem.