No ano de 2018 a OMS realizou formalmente a despatologização da transgeneridade, ao retirar da Classificação Internacional de Doenças (CID) o registro de Transtorno de Identidade de Gênero (F64-0), reconhecendo oficialmente as identidades trans como uma condição natural da diversidade humana. Com isso, a partir do CiD11, publicado no ano seguinte 2019, a transgeneridade passou a constar como “incongruência de gênero, inserida no rol de “Condições Relacionadas a Saúde Sexual”, garantindo assim o acesso dessa população aos tratamentos médicos destinados a transição ou afirmação de gênero. Essa alteração formal, caracteriza um grande avanço no combate aos estigmas que atingem pessoas trans, que tinham no enquadramento de transtorno mental uma carga patológica que reforçava atos de preconceito e discriminação contra transgeneres. E, para reforçar esse entendimento de reconhecimento da diversidade de gênero, também em 2018 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) brasileiro publicou a resolução 01/2018 com a finalidade de proibir a prática de tratamentos psicoterapêuticos com finalidade de realizar “reversão da transgeneridade”, promovendo uma suposta “cura” para pessoas trans. Ainda no mesmo ano, a comunidade trans alcançou o direito de retificação do prenome através de autodeclaração apresentada diretamente nos cartórios, conforme Resolução 73/2018 do CNJ.

Essas conquistas contribuíram de forma bastante significativa para garantir a autonomia e a autodeterminação de pessoas com identidade transgênera, pois permitiram o acesso a tratamentos médicos e a mudança de nome nos documentos pessoais dessa comunidade sem a necessidade de um aval psiquiátrico para a contemplação de tais direitos. No entanto, mesmo com esses avanços legais e instituicionais, o reconhecimento e o respeito social ainda permanecem como imensos desafios para essa população. Apesar do cenário social ainda tão hostil a comunidade trans brasileira se mantem resistente e mobilizada, realizando ações coletivas ou individuais que demonstram a capacidade e a lucidez dessa população. Atualmente, existem pessoas trans com relevantes trajetórias no campo da política, ciências, artes, educação, saúde e tecnologia, pessoas que contribuiem com dedicação, competência e conhecimento para o desenvolvimento do país. Portanto, quando nossa cultura ainda tão preconceituosa conseguir compreender que a diversidade de gênero é um aspecto natural da história humana e reconhecer como legítimo o gênero de pessoas trans, toda sociedade terá ganhos ao incluir uma comunidade que deseja apenas ser considerada como seres humanos dignos, que devem ter suas vidas protegidas e suas individualidades respeitadas.